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Publicado em 11 de março de 2025
Jota

Tema 863 do STF: um novo olhar para as multas tributárias punitivas

Ao definir os limites da multa tributária punitiva em situações envolvendo sonegação, fraude e conluio em julgamento finalizado em novembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe um olhar diferenciado na relação fisco e contribuinte, reformulando em nossa visão o papel da multa em matéria tributária.

Tivemos a oportunidade de contribuir com memoriais e sustentação oral ao atuarmos como patrono de um dos amicus curiae no julgamento do Recurso Extraordinário 736.090 (Tema 863) e, a seguir, trazemos nossas ponderações sobre o tema.

Ao ser provocado para suprir a lacuna legislativa, o STF fixou a tese de que cabe a lei complementar definir os limites da multa tributária, sendo, por ora, limitada em 100% do débito tributário, podendo chegar em até 150% em casos de reincidência. Note-se que este entendimento está em linha com nova redação da Lei 9.430/1996, alterada pela Lei 14.689/2023[1].

A ementa deixa clara a necessidade de se observar os princípios do não-confisco, da razoabilidade e da proporcionalidade. Ao citar a obra de Paulo Roberto Coimbra[2], o voto do ministro relator Dias Toffoli indica a proporcionalidade e a razoabilidade como balizas para se avaliar a constitucionalidade das sanções tributárias, de modo que o patamar estabelecido não seja nem tão baixo a ponto de não ter o condão de reprimir os comportamentos dos infratores, tampouco alto demais a ponto de possuir caráter confiscatório.

Deve haver uma proporcionalidade entre a pena e a infração punida, porque a pena excessivamente severa não implementa a justiça, e sim, afasta-a para mais distante, o que ofende o princípio da proporcionalidade.

A Corte Suprema já havia se manifestado pela confiscatoriedade da multa tributária superior a 100% do valor do tributo devido nas Ações Direta de Inconstitucionalidade 551/DF e 1.075/DF-MC, sendo este o limite considerado no presente julgamento e que coadua com o voto do ministro Marco Aurélio na ADI 551, no sentido de que “embora haja dificuldade, como ressaltado pelo ministro Sepúlveda Pertence, para se fixar o que se entende como multa abusiva, constatamos que as multas são acessórias e não pode, como tal, ultrapassar o valor do principal”.

O recente julgado ressalta que, na visão contemporânea, a conformidade dos contribuintes quanto à aplicação da legislação tributária de forma voluntária depende da confiança destes na administração. Se não há confiança, a probabilidade é de sonegação fiscal exceto se o poder das autoridades for alto a ponto de trazer uma conformidade forçada. Assim, o que se espera atualmente na relação fisco e contribuinte é uma conformidade cooperativa, que vem sendo buscada nos países da OCDE[3] e inclusive no Brasil, a exemplo do Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia), instituído pela Receita Federal[4].  

A necessidade de um limite é reforçado pelo fato de que os crimes de sonegação, fraude ou conluio são punidos pela lei penal, inclusive com prisão, na forma das Lei 4.729/1965 e da Lei 8.137/1990. A punição de um mesmo fato por duas vezes, pela legislação penal e tributária, configuraria bis in idem.

Ainda não há legislação complementar nacional sobre o tema, mas há o Projeto de Lei Complementar 124/2022, que tem como uma de suas propostas alterar o artigo 142 do Código Tributário Nacional para prever a gradação das multas tributárias. Nesse cenário, conforme tratado na Mesa de Debates do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) do dia 13 de fevereiro de 2025, questiona-se se o legislador complementar estaria vinculado aos limites fixados no Tema 863/STF. Espera-se que sim!

Durante o julgamento, o ministro Flávio Dino chamou atenção para o risco de guerra fiscal entre os entes tributantes advinda da redução dos patamares das multas qualificadas já estipuladas, uma vez que a tese fixada abrange também os estados, Distrito Federal, municípios, além da União Federal[5]. Em razão disso, foi acolhida a proposta de modulação de efeitos para que seja aplicada ex nunc (efeitos prospectivos, ou seja, para o futuro), com a ressalva para proteger as situações anteriores (processos ou fatos geradores), evitando que não haja multa superior ao valor do tributo, na hipótese de fraude, conluio ou sonegação.

Por fim, não podemos deixar de mencionar que a reforma tributária, por meio do PLP 108/2024, que trata do processo administrativo tributário e aguarda aprovação no Senado Federal, elenca as multas do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que vem para substituir o ICMS e o ISS, nos seus artigos 58 e seguintes com uma lista extensa de situações e percentuais de multas a serem aplicadas.

Precisamos ficar atentos para que os princípios do não confisco, da razoabilidade e da proporcionalidade sejam considerados com vistas a impor limites condizentes com os parâmetros trazidos pelos precedentes da Corte Suprema.

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